terça-feira, 1 de março de 2016

Resenha: Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva








Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva (Título original: Biblical Interpretation then and now) de David S. Dockery - Editora Vida: 2005.



Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva, de antemão, deixa claro que a interpretação cristã, que sempre visou promover o avanço e a defesa da fé cristã, recebeu um legado referente às abordagens dos escritos judaicos tanto quanto dos escritos e pensamentos greco-romanos.
Na igreja primitiva, segundo o autor, havia uma participação inevitável das Escrituras judaicas (essa era a Bíblia que Jesus e os apóstolos liam), de modo que, o Mestre interpretou-a com “algo novo” - seu método era inigualável, sua mensagem cheia autoridade e poder. Ao interpretar, o Cristo se via na história, nas experiências e nas promessas de Israel, i.e, o Cristo com uma abordagem cristocêntrica, compreendendo que sua incumbência era a plena realização das Escrituras.
Segundo David S. Dockery,  no decorrer da igreja primitiva, as Escrituras foram interpretadas: (1) de forma literal, (2) de forma que a aplicação trouxesse algo para o agora, colocando em relevo aquilo que tem importância no momento, ou ainda, (3) de forma que ligasse os crentes/ouvintes a um futuro mais adiante. Todas essas formas tinham, também, um alvo: os descrentes, trazendo, para estes, a mensagem de forma que viessem recebê-la, reconhecendo o Senhor, firmando um compromisso de fidelidade com Ele.
No caminho das abordagens da interpretação primitiva, encontramos o Lucas, que traz em seus escritos história e apologia baseados no Antigo Testamento.
Mais adiante, encontramos o apóstolo Paulo que deixa um legado para os atuais e futuros crentes: as suas Epístolas. Epístolas baseadas no Antigo Testamento, que era a sua coleção de livros. Paulo deixou clarividente que a obra veterotestamentária deveria ser entendida com base e a partir de Cristo: as Escrituras falam de Jesus, Jesus é o cumprimento das Escrituras. O apóstolo usou da herança midráshica, das ilustrações e das comparações, mostrando muitas vezes, que, um acontecimento bíblico podia ser uma situação do momento e, ao mesmo tempo, uma instrução divina para os ouvintes, ficando evidente, desse jeito, uma abordagem diferente da contida nos Evangelhos.
Em resumo a Igreja Primitiva usava a hermenêutica judaica, porém, com o foco em Cristo.
Chegando ao segundo século da Era Cristã nos deparamos com a guerra: Heréticos versus Apologéticos. De um lado, os considerados apóstatas, recriadores dos escritos neotestamentários (a seu bel-prazer), ativistas de movimentos fenomenais religiosos que ameaçavam os ensinos acerca da criação, da salvação e da cristologia. Do outro lado, líderes com ensinos tradicionais, preocupados com a moral e a ética, treinados na retórica helenística, que usavam métodos rabínicos aliados à sabedoria grega.
Vemos também em Hermenêutica Contemporânea à Luz da Igreja Primitiva o modo de interpretar da Escola Alexandrina: compreendiam que nas Escrituras havia, de forma mais profunda e elevada do que no sentido literal, algo místico, além que mostrar aquilo em que se deveria acreditar. Eles acreditavam que, referente ao conhecimento de Deus, deveriam fazer o que era necessário, de forma a reverenciá-Lo sem deixar de tirar proveito da cultura secular (um tipo de sincretismo). Desbravavam o sentido literal da Escritura a fim interpretá-la de maneira espiritual, encontrando o significado mais profundo no texto. Entendiam que, estudando a Bíblia no sentido literal podiam passar para o significado do sentido alegórico. Os alexandrinos preservavam o sentido literal no que se refere à parte moral das Escrituras, aceitando os ensinamentos mosaicos. A capacidade alegórica de interpretar era, para essa escola, um sinal de inteligência e espiritualidade. Buscavam o significado cristocêntrico, que era para eles, o mais profundo, de forma que Cristo era considerado o âmago da história e o instrumento para entender o Antigo Testamento, Aquele que se tornou superior às leis e rituais do Antigo Pacto de forma que, a partir daí, o sentido literal dava espaço para a abordagem alegórica. Todos os acontecimentos, todas as pessoas e todas as normas do Antigo Testamento refletiam Cristo ou a sua Igreja (que é o seu Corpo), e o método alegórico revelava isso, de forma que deveriam buscar o significado para avançar Nele. O objetivo alexandrino era buscar, dentro das Escrituras, aquilo que era necessário à regra de fé, a exemplo das doutrinas referente à Trindade.
Também fica expresso o modo de interpretar da Escola Antioquena: o sentido gramatical e literal que, segundo eles, tinha importância, era verdadeiro, mostrava a realidade histórica, tinha um papel fundamental no entendimento da igreja, trazendo edificação para os simples e apologia para os estudantes. Foram influenciados pelo pensamento de Aristóteles, pela exegese tipológica e pela interpretação histórica. Utilizavam, de forma séria, a literalidade, a historicidade e a tipologia. Os escritos antioquenos eram contra o misticismo e fábulas, fazendo uma análise histórico-cristocêntrica tendo a percepção da divindade de Cristo e de seu reinado para sempre. Para eles, o papel dos profetas na história de Israel era, além do sentido imediato, também cristocêntrico, i. e., anunciavam a vinda do Cristo. Comunicar o ensino exposto no Evangelho era a tarefa dos intérpretes antioquenos. Havia também, na escola antioquena, (1) aqueles que comentavam alguns trechos/ passagens bíblicas de forma terrena, estando com os olhos fechados quanto ao seu conteúdo espiritual, (2) aqueles que rejeitavam parte da literatura do Antigo Testamento, (3) os que aderiam à firmeza (pés no chão) de Aristóteles e (4) a espiritualidade (andar nas nuvens) de Platão. Os antioquenos buscavam a explicação que a Escritura faz de si mesma de forma que as interpretações não deveriam receber significados diferentes do circuito do texto, considerando como fantasiosa a hermenêutica dos alexandrinos.
Em resumo, havia uma oposição entre os antioquenos (os que enfatizavam a literalidade e a historicidade do texto bíblico) e os alexandrinos (aqueles que traziam, também, um significado espiritual e significativo).
A fase seguinte (composta principalmente por Jerônimo, Agostinho, Teodoreto de Ciro, etc.) traz uma forma de interpretação eclética (sentido literal, sentido alegórico, mas sempre voltado ao teológico). Apesar dos embates, aqui, o objetivo são os seguintes: (1) enfatizar (aumentar) o amor “em forma de cruz” (isto é, verticalmente para Deus, horizontalmente, para com os outros), (2) pôr a vida cristã em ordem. (3) explicar, para a maioria das pessoas, as palavras que consideravam difíceis, (4) enfatizar sobre a providência de Deus, (5) falar sobre Cristo e a sua salvação (seus benefícios produzidos para a Igreja), e, finalmente, (6) a edificação dos crentes que estavam sob a liderança daqueles que exerciam a exegese.
Diante de tudo isso, David S. Dockery indica que para vivenciar a hermenêutica contemporânea é necessário entendermos o desenvolvimento dos modelos hermenêuticos dos séculos passados, tendo a Escritura como um presente de Deus para Israel e para os demais povos, Escritura essa que ensina sobre a missão da Igreja e, no geral, sobre a vida. Devemos, portanto levar em conta que como os antepassados (apóstolos, apologistas, alexandrinos, antioquenos, canônicos, etc.) tiveram sua base nas Escrituras para encontrarem o sentido/ significado (seja literal, tipológico, alegórico, histórico...) da vida cristã em curso, assim também nós, nos tempos hodiernos, buscaremos (em Cristo) o conhecimento, para que possamos entender (não perdendo de vista o cristianismo primitivo) o significado presente (que também se prolonga para o futuro) das Escrituras.



Por Fernando José. 





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